O filme de Alfonso Cuarón se inicia com a separação de dois casais de namorados. Um típico casal de namorados e com as promessas do reencontro. Uma promessa que se mostra falsa mesmo pela ação dos dois jovens, Julio e Tenoch e também pelas namoradas no aeroporto. Eles seriam tidos como garotos “normais”. Ligados em mulheres, confusos quanto ao seu próprio destino, e amigos inseparáveis. Mas até que ponto o símbolo do normal pode ser colocado a um personagem? Ou a um ser humano?
Levando-se em conta o texto de Peter Pál Pelbart. Como esses garotos e os personagens secundários, que por vezes tomam a atenção da câmera e do público, podem se encontrar dentro de um sistema e ao mesmo tempo fora dele?
Em seu texto, Peter nos coloca o conto de Kafka, do imperador Chinês que constrói a grande muralha para se proteger dos nômades. No entanto os nômades já estavam dentro da muralha, que era seguimentada. Não é difícil fazer um paralelo com a sociedade atual, que desconstrói as suas barreiras para que novos elementos possam ser incrementados a padrões. Peter usa o termo “Formas de vida”.
No filme Os jovens Julio e Tenoch são tarados e procuram por substâncias que alteram o estado de consciência (bebidas e drogas). Que estão longe do politicamente correto, no entanto são incentivados por propagandas, eles consomem mais do que drogas e bebidas, consomem uma forma de vida. E pela imagem de “transgressão” das drogas. Há já uma forma de estar inserido dentro de um contexto, dos “excluídos” usuários de drogas, ao mesmo tempo em que os jovens transgressores são partes de algo. Eles absorvem maneiras de viver e sentidos de vida, consomem muita subjetividade além dos produtos que consomem.
Os jovens Julio e Tenoch podem ser comparados aos nômades do conto de kafka. Eles tem seus próprios hábitos e códigos de ética, ao mesmo tempo que estão inseridos no “Império” (o cotidiano e a vida dentro do México). Eles simplesmente não se importam com alguns do costumes a sua volta (a piscina, o uso de drogas e etc.). Isso fica ainda mais evidente quando eles vão à busca da irmã de Tenoch para buscar o carro. “Boinas” como era conhecida, se encontra no meio de uma manifestação, que são comuns do cotidiano Mexicano, de acordo com o filme. No entanto a razão da manifestação não é nem citada, e Julio e Tenoch simplesmente não se importam com isso.
Numa das cenas iniciais eles estão presos em um engarrafamento, e depois de xingar, eles dizem que deve ser mais uma manifestação, e eles simplesmente xingam a manifestação também. São nômades que não se importam com o contexto do império que ao mesmo tempo supre e exclui esses indivíduos, como no conto de kafka, eles falam línguas diferentes, independente das muralhas impostas.
O exemplo máximo disso é quando Eles estão numa festa promovida pelo pai de Tenoch, em que contaria com a presença do Presidente. No entanto eles ficam contando o número de seguranças e não ligam a mínima para o que está ocorrendo. Nessa festa eles encontram a mulher de Jano, Luisa. Ela parece deslocada nesse lugar, como os personagens principais. No entanto ela parece não querer demonstrar, isso fica mais ainda evidente com as falas do narrador: “Com freqüência, Luisa ia com Jano a jantares de artistas e intelectuais, onde nunca se sentiu integrada. Sempre tinha alguém com a boa intenção de incluí-la, ou a má de expô-la, que na metade de uma dissertação lhe passava a palavra. Com toda a modéstia sempre repôs: “não sei dessas coisas”. Muitas vezes, desejou exigir dos assistentes que recitassem o nome de todos os dentes em ordem. Nunca se atreveu.”
Os personagens de Julio e Tenoch não sabem disso, nós sabemos pelo narrador Onisciente e Onipresente. Ele vai contando as histórias pregressas e futuras dos personagens que vão surgindo ocasionalmente durante o filme.
Luisa aceita ir com os dois para uma viagem rumo a “Praia del Cielo”, uma praia tida como inexistente para os personagens principais, e é feito para que o próprio expectador a considere inexistente. Eles partem para rumo a uma praia indicada por Saba um amigo dos dois. No caminho ficam óbvias algumas particularidades dos dois amigos. Eles contavam histórias alegremente para uma ouvinte interessada. “Entre o muito que se esqueceu de mencionar estava como Julio ascendia fósforos para esconder o odor quando ia ao banheiro da casa de Tenoch ou como Tenoch levantava com o pé o assento do sanitário na casa de Julio. Eram detalhes que não tinham porque saber um do outro”. Mesmo sem esses conhecimentos o narrador da a entender que esses traços, faz com que a amizade dos dois pareça ainda mais forte.
Nesse ponto já se percebe que os amigos têm um código de ética, não só representado pelo “Código Charolastra”, mas pela convivência de ambos, como os bárbaros de Kafka.
Os personagens secundários do filme “E sua mãe Também”, tem um papel relevante. O narrador nos mostra suas histórias. Como por exemplo, o pedreiro morto porque a passarela ficava a dois quilômetros de distância da obra que é do outro lado da estrada. O México como um império, o próprio pedreiro se inclui como parte da construção social, e em sua morte ele demonstra as mazelas dela.
O fato de o filme trazer as histórias das imagens à tona nos coloca diante da fragilidade não só da vida, como das relações de emprego e de amizade. Tudo parece frágil e finito, durante todo o filme vemos isso, como cruzes no acostamento na estrada e as histórias que o narrador nos conta.
No texto de Peter Pàl Pelbart, ele cita o livro “Conversas com Kafka”: “Não vivemos num mundo destruído, vivemos num mundo transtornado. Tudo racha e estala como no equipamento de um veleiro destroçado”. Essa citação nos pareceu relevantes ao nível que, as relações do filme se mostram muito mais frágeis dos que nos parecem. O pedreiro morre, amizades inseparáveis que podem acabar, casamentos ruídos, promessas de amor eternas que descumprem.
Um filme que lida em si com finais. O fim próximo ou não, de amizades ou formas de vida (caso do pescador que tem de trabalhar em um hotel e deixar da pesca que era uma tradição de família). O Império que deveria prover a diversidade acaba por ruí-la.
No filme a sociedade nos parece caótica, com manifestações seguidas. Os personagens não dizem diretamente, e não se importam com isso. O Império não consegue manter a soberania e não parece haver muralhas para os personagens. Eles caminham em direção ao desconhecido, e se encontram com pessoas que vivem “formas de vida” que nos parecem mais excluídas que as suas próprias. Como a vendedora de souvenires que da um ursinho a Luisa, que era da sua neta, também Luisa. O narrador nos conta que ela morreu de insolação tentando entrar em outro país, procurando oportunidades. Essa senhora demonstra algo que é tido como a exclusão, a vendedora ambulante, a vendedora nômade, a senhora de idade, uma pessoa pobre financeiramente. Mas que procura a lembrança da própria neta. Essa vendedora esta fora do sistema, mas ajuda a mantê-lo. O sistema é tão nômade quanto ela, “O Império se Nomadizou”, Peter Pàl Pelbat. Ele se eleva e busca as pessoas, como diria Peter Pàl Pelbat.
Os finais de cada um dos personagens e das suas relações, insinuam desde o fim do namoro, a morte de Luisa e a separação dos amigos (possivelmente em nome de um código de ética do próprio sistema. (Inseridos e ao mesmo tempo excluídos dele). Luisa deixa uma mensagem sobre o tempo da espuma sobre água, Luisa: "A vida é como a espuma da praia, por isso devemos nos dar como o mar". Assim age o filme, o filme fala sobre os momentos que antecedem o “destroçar do veleiro”. O tempo antes da morte de Luisa, como ela sabia, e que nem o narrador nos avisa ou sabe. Os personagens estão dentro e fora de sistemas e sub-sistemas. Eles constroem as suas escolhas, baseados na suas predileções, até o momento que escolhem finais ou que eles se apresentem.
Os personagens se mostram no filme como nômades, o sistema também. Julio, Tenoch, Luisa e outros personagens, vão à busca de algo novo ou não, eles são um povo sem habitat fixo, sem uma forma de vida fixa, sempre em transformação cultural, onde suas leis, seus valores e quase tudo está sempre em transformação, por isso eu acredito que no fim do filme todos se separam. O filme fala de finais, de algo que já existe e se modifica, transforma em outra coisa, que pode ser o fim dela ou o início para algo novo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
PÁL PELBART, Peter. In: Biopolítica e Biopotência no coração do Império.2002.
Escrito por Osvaldo Luciano dos Reis e Murillo B. Martins
Crítica razoável. Parece que tenta descrever muito o filme, tenta fazer analogias demais com textos, com a vida, e por fim, esquece do mais importante, o filme.
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